certas vezes alto e comprido que pareço fazer sombra...
outras tão pequeno e insignificante que quase juro não existir.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Lutas internas...

Estou como que desconectado...sou incoerente...uma coisa não bate com a outra...reina a confusão e o descontrolo. Eu tenho uma vontade e o meu corpo parece ter outra, percebe isto??Faz algum sentido?? Como é que pode fazer sentido se nem percebo em que direcção vai?? Não pode Drª.... não pode...cada um vai para o seu lado, os meus pés seguem para a esquerda e a minha cabeça há muito já vai adiantada pela direita. - Dizia o João de 16 anos em consulta a propósito daquilo que eram as vontade do corpo e os desejos internos, daquilo que fazia parte do seu crescer e viver ...

Na aliança empática e única que se estabelece entre duas pessoas nesta situação e ao sentar-me no "lugar" do João, ver com os seus olhos o seu mundo, ocorreu-me que é neste espaço do “nada” que nos reconfortamos e conhecemos sem tantas vezes nos compreendermos… Mesmo quando o silêncio não se rasga, quebra ou compromete, há uma voz que se estende e dilacera o vazio, para subsistir e comprimir sentido à existência de cada ser. De eu ser e tu também. Há simplesmente o som do pensar e do sentir, que às vezes ensurdece e tantas outras enlouquece mas que ninguém parece ouvir. Nem eu…nem tu…e tanto parece ter para dizer quando o amordaçamos,emudecemos e recalcamos. E enfurecido comanda, descoordena-me os membros, distende-os e enrije-se em espasmos de dor, revolta e descompensação. A luta mano a mano entre o eu e o mim.

E desde que nasce e já o é, um Ser, enquanto cresce e multiplica-se e, até, que se extingue é ele próprio a linguagem livre, espontânea e única que faz do corpo a sua tela, seu projector e sua matriz. Dono de mim e de ti, sem nos ter como propriedade, mas sabendo-nos como dado adquirido. Porque olhar o outro na sua ínfima perversidade inconsciente é procurar um reflexo de si, um fundo de autenticidade e valorização do próprio, desejando assim alimentar-se e preencher-se ridiculamente de coisas que não suas.

E reparamos como tudo é lívido! E quando damos por nós estamos a cair no abismo de separar o objecto que somos, palpável aos olhos dos outros e ao reflexo do espelho, daquele que habita nos meandros anatómicos munido de essência, carácter e história. Estamos a comprometermo-nos perdendo a noção dos limites do que somos e daquilo que desejamos ser. E como é difícil entender que o meu corpo não pode existir sem os meus pensamentos, e que estes que se julgam tão grandes não o são sem o meu corpo. Num monologo difuso e corrosivo relembra -

Não percebes que não posso existir sem a minha história, como as borbulhas acnosas não podem rebentar fora de um rosto. Aceita-me como sou, mesmo que o que eu sou não saiba quem é…é assim tão difícil? Não existo sem ti e tu não existirás sem mim. Não sendo nós a mesma coisa, existimos mutuamente numa mesma forma. Acredita que as palavras são infinitas…os sons inesgotáveis… porque só assim poderás descansar, pois continuará a existir um Eu, um Tu e um Nós e esta batalha que nos move a que chamamos vida!




O João desbravava agora um caminho que lhe parecia
assustador projectando numa divisão do corpo e mente a zanga e frustração das coisas que não podia mas desejava controlar, daquilo que era um sentir precoce e abrupto do que separa o adolescente do jovem adulto na passagem e luto de um que dá o lugar ao outro.Mais ainda, daquilo que acreditava ser um processo de separação, anulação e perda. Porém, com tempo...o seu tempo...o João começou a separar/dividir menos e a somar mais as suas emoções, calculando uma conta gigantesca que é hoje mais coerente e ajustada aos seus "números e operações". O João foi-se respeitando mais como um todo com um ritmo muito seu e nosso...deu lugar e espaço a si próprio sem pressas...ele era agora do tamanho que queria ser!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Os sapatos da Mamã....

Quantas vezes não ficámos somente a olhá-las a desejar num inconsciente pouco difuso ser como ela? Ser assim tão sábio? Ter a sua beleza e a sua certeza?


Foram tantas as vezes que olhámos, que sugámos estes seus traços e nos apoderámos deles como nossos, numa legítima partilha que os laços perpetuam e fortalecem. Quando o fazíamos não sabíamos…que a cada vez que calçávamos os seus sapatos, nos aperaltávamos com os seus lenços e embonecávamos com as suas pinturas, partículas tão valiosas como o ouro e tão pequenas como um brilho, se infiltravam na nossa pele e nos contagiavam.
Fizemos de trapos o nosso avental com as mesmas cores e tons, com os mesmos trejeitos cozinhávamos em cima do banco ao seu lado verdadeiros manjares dos deuses (de uma Grécia saída dos lápis do Walt Disney) e a aprovação era garantida mas exigente. Mas nós não sabíamos…que quando ela agarrava no nosso rosto anafado entre as suas mãos e nos sussurrava ao ouvido as músicas de embalar, estava a gravar a melodia de uma vida na nossa memória, que harmoniosa e precisa ritmaria os nossos passos.
Travámos lutas dantescas com o João Pestana para ficar só mais um bocadinho, para senti-la mais um pouco como nossa e parte de nós, para manter aquela espiral eloquente e incompreensível retida no tempo e no espaço que era só nosso. Realmente nós não sabíamos…que quando os seus braços nos envolviam para conter a birra e o seu riso se escondia por de trás do “ralhete” ela nos estava a lançar um feitiço, tão inquebrável quanto uma promessa e tão poderoso quanto o vínculo.
E como era bom saltar, correr e arriscar, desafiando as leis da gravidade e as proporções físicas, sabendo que mesmo após o choque e a violência da queda um beijo junto do galo e perto do arranhão tudo curariam. Mas nós não sabíamos mesmo…que quando nos enxugava as lágrimas e nos desinfectava as feridas ela soprava no algodão, um analgésico raro de acção retardante mas duradoura contra dores de teimosia, amor e crescimento.
E como é bom ter quem nos ensine a sorrir, a abraçar, a sentir falta, a saber esperar e a amar.

No fundo nós não sabíamos…mas sonhávamos que a nossa mãe era a melhor do mundo e queríamos somente ser um pouco daquilo que ela é
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sábado, 30 de abril de 2011

Papá olha!

Na rotina habitual, intrínseca ao movimento citadino alimentado por um ritmo tão alucinante como injustificável e delicioso, e por razões que nos deviam ser mais claras do que realmente são, o começar de dia tornou-se diferente. No caos tranquilo e acolhedor de uma cidade cosmopolita, pequenos segundos congelaram, um tempo e um momento que se queria simplista mas intenso. O carro parado em segunda fila e o ar atarefado e desnorteado de um pai em plena segunda de manhã estavam tão dentro do cenário esperado que não trouxeram um traço de imprevisto, isso ficou reservado para o Francisco, um protagonista sem o saber. Lançou-se nos braços fortes do pai, como quem se desprende às cegas de um baloiço, e no seu colo agarrou entre as suas mãos o rosto do pai gritando: “Vião!” De olhos estrelares e num gesto simples e comovente rasgou o céu com o seu dedo indicador minúsculo com a mesma vivacidade com que se rasgou o sorriso no seu rosto. Fixou-se por um segundos em êxtase até ter entrado na escolinha levando consigo algo de fantástico para dizer. Retive-me naquele cenário com eles naquilo que pareceram horas, deliciei-me a olhar aquele pai a deixar-se surpreender como outrora na sua infância o terá feito.
Quantas vezes não terá ele visto um avião sem sequer se aperceber da magnitude que ele ganhara hoje?
Quantas vezes terá ouvido o seu som estrondoso rasgar e impor-se a todos os outros, sem parar e confirmar o seu sentido com o olhar?
Mas esta coisa de ser pai parece trazer consigo um bilhete de ida-volta constantes à própria infância e, de certa forma, faz renascer algo tão belo e esmagador como a vontade de se deixar surpreender pelas pequenas coisas que damos como garantidas. O gostinho especial e naif de quando se vislumbra uma mota, o sol, uma nuvem...passa de filho para pai numa troca generosa quase tão compensadora como os genes. O Francisco não sabe porque voam os aviões ou até para que servem, mas este sábio de palmo e meio, fez o seu pai sentir-se criança de novo e apreciar as coisas mais simples da vida, mais ainda, deu-me boleia nessa pequena viagem também.

Obrigada Francisco