“Morreres-me como que nos
braços,
Sem saber se te embalava ou
sacudia,
Entre a revolta aprisionada
em grito mudo,
Da saudade em te deixar
morreres-me e
O ímpeto vinculativo
profundo de não te deixar partir!”
Em torno da temática do
testamento vital surgem questões complexas, que afloram perante a
inevitabilidade conflitual que envolve uma viagem interna à essência de cada
ser. Viagem na qual crenças, cultura e experiência do vivido e pensado nem
sempre caminham paralelamente.
Nas saliências do debate polémico
e fervoroso é importante relevar que tirar da penumbra a temática da morte é,
antes de mais, iluminar mais intensa e sabiamente a vida O temor de um
significado impresso nas inerências do conceito de morte, está para além
daquilo que é manifesto pela incerteza do como, do quando e do porquê. É o lado
mais latente associado à voracidade com que afasta/separa da vida, que arranca
dos braços de quem se ama e rompe os laços de
vinculação, nem sempre com um golpe certeiro e único, que o remete para a
obscuridade “afastando da vista e do coração”.
Mas nas voltas da vida
em que os relógios não param e o tic-tac se sente no dentro e fora de nós
mesmos, somos inúmeras vezes confrontados com a morte, sob diversas formas e
nos mais variados contextos, basta estarmos de olhos abertos e aos poucos saber
olhar fixamente o sol como diria Irvin D. Yalom.
Este olhar não deverá esconder-se atrás de umas lentes que o escureçam, antes
incutir uma procura incessante ao cerne das estruturas internas de cada
sujeito, compreendendo os seus limites, testando as suas barreiras intransponíveis
e consolidando os seus alicerces à luz da aceitação da sua própria finitude, da
sua integridade e dignidade como ser humano. Desta forma, o olhar pode assentar
então sobre o pôr-do-sol, que traça sobre a vista de cada sujeito, num
movimento de dentro para fora, o reflexo de uma compreensão sobre si próprio
que se quer respeitada na sua plena vontade e na liberdade de expressão sobre a
mesma.
A sociedade moderna que
somos mostra-se orientada para uma vivência duradoura e
esperançada pela longevidade cada vez mais estendida, e nutre uma
superficialidade comummente aceite, onde quantidade tantas vezes impera em
detrimento da qualidade. Crescemos socialmente procurando uma visão
empreendedora, na busca do sucesso e da conquista, fomentando o investimento e
entrega. Porém, carecemos por lapso de consciência emocional de amadurecer a
tolerância à frustração, à inevitabilidade e à finitude de todas as coisas. Como poderei eu aceitar o rompimento forçado
de um vínculo? Como é que posso aceitar a impotência e a fragilidade de um “não
há mais nada a fazer”?
A questionabilidade e
complexidade que envolve o testamento vital faz emergir outras interrogativas
intermitentes do ponto de vista individual, que pela divergência e calor social
são muitas vezes sobrepujadas no diálogo e partilha entre seus pensadores e
comunicantes, primeiramente - o que
significa para cada sujeito uma morte digna? – e posteriormente – Poderá ou não cada sujeito ter o direito de
manifestar e expressar antecipadamente a sua vontade clara e inequívoca de
morrer dignamente?
Analisar e compreender a
resposta a estas duas questões e às que se lhes seguirão, depreende uma
capacidade amadurecida para olhar o sol em conjunto desde o seu nascer até ao
seu pôr, mesmo que em diferentes pontos do paredão e com a incerteza se o
contemplarão ou não pela última vez, mas acima disso com a certeza inerente a
uma disponibilidade humilde e sábia para saber apreciá-lo e despender o tempo
que este merece.
Joana Cloetens to Newsletter Canto da Psicologia