certas vezes alto e comprido que pareço fazer sombra...
outras tão pequeno e insignificante que quase juro não existir.

terça-feira, 2 de outubro de 2012


 
“Morreres-me como que nos braços,

Sem saber se te embalava ou sacudia,

Entre a revolta aprisionada em grito mudo,

Da saudade em te deixar morreres-me e

O ímpeto vinculativo profundo de não te deixar partir!”

        
            

Em torno da temática do testamento vital surgem questões complexas, que afloram perante a inevitabilidade conflitual que envolve uma viagem interna à essência de cada ser. Viagem na qual crenças, cultura e experiência do vivido e pensado nem sempre caminham paralelamente.
Nas saliências do debate polémico e fervoroso é importante relevar que tirar da penumbra a temática da morte é, antes de mais, iluminar mais intensa e sabiamente a vida O temor de um significado impresso nas inerências do conceito de morte, está para além daquilo que é manifesto pela incerteza do como, do quando e do porquê. É o lado mais latente associado à voracidade com que afasta/separa da vida, que arranca dos braços de quem se ama e rompe os laços de vinculação, nem sempre com um golpe certeiro e único, que o remete para a obscuridade “afastando da vista e do coração”.

Mas nas voltas da vida em que os relógios não param e o tic-tac se sente no dentro e fora de nós mesmos, somos inúmeras vezes confrontados com a morte, sob diversas formas e nos mais variados contextos, basta estarmos de olhos abertos e aos poucos saber olhar fixamente o sol como diria Irvin D. Yalom. Este olhar não deverá esconder-se atrás de umas lentes que o escureçam, antes incutir uma procura incessante ao cerne das estruturas internas de cada sujeito, compreendendo os seus limites, testando as suas barreiras intransponíveis e consolidando os seus alicerces à luz da aceitação da sua própria finitude, da sua integridade e dignidade como ser humano. Desta forma, o olhar pode assentar então sobre o pôr-do-sol, que traça sobre a vista de cada sujeito, num movimento de dentro para fora, o reflexo de uma compreensão sobre si próprio que se quer respeitada na sua plena vontade e na liberdade de expressão sobre a mesma.
A sociedade moderna que somos mostra-se orientada para uma vivência duradoura e esperançada pela longevidade cada vez mais estendida, e nutre uma superficialidade comummente aceite, onde quantidade tantas vezes impera em detrimento da qualidade. Crescemos socialmente procurando uma visão empreendedora, na busca do sucesso e da conquista, fomentando o investimento e entrega. Porém, carecemos por lapso de consciência emocional de amadurecer a tolerância à frustração, à inevitabilidade e à finitude de todas as coisas. Como poderei eu aceitar o rompimento forçado de um vínculo? Como é que posso aceitar a impotência e a fragilidade de um “não há mais nada a fazer”?

A questionabilidade e complexidade que envolve o testamento vital faz emergir outras interrogativas intermitentes do ponto de vista individual, que pela divergência e calor social são muitas vezes sobrepujadas no diálogo e partilha entre seus pensadores e comunicantes, primeiramente - o que significa para cada sujeito uma morte digna? – e posteriormente – Poderá ou não cada sujeito ter o direito de manifestar e expressar antecipadamente a sua vontade clara e inequívoca de morrer dignamente?
Analisar e compreender a resposta a estas duas questões e às que se lhes seguirão, depreende uma capacidade amadurecida para olhar o sol em conjunto desde o seu nascer até ao seu pôr, mesmo que em diferentes pontos do paredão e com a incerteza se o contemplarão ou não pela última vez, mas acima disso com a certeza inerente a uma disponibilidade humilde e sábia para saber apreciá-lo e despender o tempo que este merece.
Joana Cloetens to Newsletter Canto da Psicologia